sábado, 29 de março de 2014

Resenha do livro: “Sexo na Bíblia: novas considerações” – J. Harold Ellens


Rafael Campos


Falta-se obras como esta no mercado editorial cristão nacional! Embora traduzido desde 2011, parece ainda não ter tido grande repercussão no Brasil. O autor do livro é teólogo reformado com 2 PhDs, autor de mais de 70 livros, professor de Psicologia, Filosofia e Teologia, e também pastor presbiteriano ordenado, o que o autoriza a discutir de maneira profunda e sensata sobre o sexo na bíblia.
Sexo na Bíblia é um tema amplo: pode-se discutir acerca de pedofilia, adultério, incesto, bestialidade, homossexualidade... E é o que Harold faz. Com quase toda certeza este livro será tido como “heresia” (palavra doce na boca de fundamentalistas), pois é ousado: descontrói muitas interpretações “clássicas” de várias passagens das escrituras e nos oferece um novo horizonte para se pensar o texto. A partir de argumentos muito persuasivos e logicamente sustentáveis outras visões que o texto sagrado suporta são trazidas à tona.
Harold quer outra leitura que não a do sexo como pecado e trilhar fora das rotas canônicas oficiais não é tarefa rasa. O pensamento ocidental cristão moralizado sexualmente a partir de Agostinho e São Jerônimo, trouxe um catastrófico erro de hermenêutica das escrituras acerca do sexo e da sexualidade. O autor deseja o alvorecer de outra leitura, conforme a bíblia, como um todo, conforme a nossa vida, experiência real que também revela verdades.
Fundamentalistas não vão gostar da obra: a leitura é dinâmica e ameaçadora. Numa sociedade patriarcal desde os tempos de Abraão, algumas afirmações soam estranhas: Deus deseja se comunicar conosco de alguma forma comparável à forma como nós desejamos ao outro sexualmente (p.59), pois fomos criados à sua imagem, cheio de amor e sexo! “Deus é nosso pai e nossa mãe” (p. 64).
Assustaria dizer que o padrão bíblico tanto velho, quanto novo testamentário é a poligamia? “A Bíblia de forma geral assumiu um contexto social no qual o casamento polígamo era a norma” (p.15). Segundo Ellens, a poligamia era benéfica e desejável para uma sociedade onde ela visava à proteção das mulheres da marginalidade, abandono, pobreza e prostituição. Era uma exigência da ordem social.
A temática da homossexualidade, em alta nos dias atuais, é discutida pormenorizadamente, e conclui-se que do ponto de vista da antiga aliança é impossível condenar a prática homossexual, pois os textos são altamente contextuais e não generalizações moralizantes e nem proibições atemporais. Do ponto de vista do novo testamento, as afirmações paulinas sobre o assunto também não seriam válida para condenar a prática. Dentre outros argumentos, Paulo não tinha conhecimento sobre a orientação homossexual de nascença, oferecido pelas ciências e saberes modernos. Embora eu não concorde com as colocações do autor no âmbito novo testamentário, é bastante difícil levantar contra argumentos. De qualquer maneira, isso soa como pimenta nos olhos de uma certa ala dita cristã (fundamentalista?).
Indico a leitura, pois o conhecimento revelado na obra porá em xeque interpretações errôneas, revolucionará nosso modo de ler a bíblia, abrirá novas pontes de diálogo e discussão sobre a temática, além do que nos proporcionará a fantástica aventura de ler as escrituras fora do cubículo oferecido por teólogos que, de modo geral, parecem ter medo do sexo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário