Por
uma “grande Europa”: Le Goff como hegeliano otimista
Rafael
Campos
Pela
quantidade de páginas e pelo título sugestivo não compraria esta obra, exceto
pelo fato de ter sido escrito por esta sumidade. Este livreto é de 1996, tendo
sido publicado no Brasil somente em 2008. Para quem não conhece, Jacques Le
Goff é um dos maiores estudiosos medievalistas do mundo. Sucedeu o grande
Fernand Braudel no comando da École des Hautes Études en Sciences
Sociales, onde foi diretor de estudos, e é referência no
mundo inteiro em história medieval. Autor de vários livros, Le Goff é autor
consagrado entre os historiadores da terceira geração da “escola” francesa dos Annales.
Voltando
à obra, ela é o que eu esperava: um resumo linear de fatos de grande
repercussão ocorridos na Europa. Datados, localizados linearmente do ponto de
vista da cronologia ocidental, Le Goff os justapõem de maneira didática de
forma a dar uma continuidade num tempo retilíneo e uniforme.
O
que me chama atenção não é essa metodologia que chamamos vagamente de
“positivista”, mas o fato de que sua história no final ser teleológica! Nesta
breve história da Europa, Le Goff não apenas enumera “grandes fatos” ocorridos
e os põe de maneira linear construindo um esqueleto dorsal para uma história do
ocidente Europeu. Acima disto, ele constrói uma história progressiva.
Le
Goff é um erudito, e portanto, sabe e reconhece os crimes da Europa em nome da
Razão, da “marcha do Espírito em busca de liberdade”, da “realização de si”,
mas mesmo assim ele sugere que “a Europa deve retomar seu caminho em direção ao
progresso que ela foi a primeira a
realizar, a definir e a propor aos homens”!
(grifo meu, p. 109). É um crente que deseja a iluminação da humanidade pelo
viés eurocêntrico!
Sua
posição fica clara nessa obra talvez despercebida pelo grande público: seu tom
é elogioso dos “grandes feitos europeus”. É de lamento pelo fato dela não ser
unida, como grande potência, pois ainda fragmentada. Le Goff anseia pela união
total da Europa ante as grandes potências mundiais. A Europa tem de ser livre,
forte, independente: “ela não deve ser inundada, americanizada, japonizada” (p.
153). Ele ainda afirma: “sou partidário de uma Europa mais unida” (p. 163) e
que “é necessário reconhecer que normalmente a história avança de modo lento,
sobretudo quando a mudança é tão considerável quanto a passagem da Europa
dividida do passado à Europa unida do futuro” (p. 163). Se a Europa desunida consegui
colonizar as Américas, África, parte da Ásia, e posteriormente redesenhar o
mapa do mundo no período do Imperialismo, o que deveríamos esperar de uma
Europa unida em nome do progresso, bem estar, razão e salvação dos “bárbaros”?
Estarrecido
fico com seu prognóstico: “é necessário ajudar aqueles que são chamados de
‘eurocéticos’ a se livrarem de seu ceticismo” (p. 163). Como pode um grande
historiador em sã consciência afirmar algo desse gênero? Em minha humilde
opinião, este texto beira ao cinismo, coisa não típica deste historiador.
O
medievalista, intelectual reconhecido no mundo todo, ainda afirma que um dos
grandes objetivos da União europeia é o de equilibrar as forças mundiais,
intervindo no “século XXI em que a humanidade começa a sofrer a dominação dos
poderosos sobre toda a terra, por meio do que é chamado de globalização” (p.
164).
O
que me deixa embasbacado é o fato de esse tipo de história ter sido escrita por
um historiador que conhece os grandes crimes hediondos do ocidente cristão. Um historiador
que reconhece as múltiplas temporalidades e quer alinhar os “grandes fatos” europeus
de forma a dar vida à uma “grande Europa”!
Le
Goff é hegeliano. Sua história da Europa é teleológica, metafísica, beirando à
salvação cristã. Ele parece não reconhecer que a teleologia aparece quando do
surgimento do Império Romano que queria dominar o mundo, e posteriormente com o
cristianismo que deseja a salvação mundial. Do ponto de vista de Le Goff, o
mundo ainda tem de ser salvo, pela Europa.
Deus
que nos livre dessa salvação!
Interessante review. É importante salientar que o título da obra em francês é "L'Europe expliquée aux jeunes" (A Europa explicada aos jovens) e trata-se de uma cartilha didática infanto-juvenil e não de uma obra de rigor acadêmico. Título enganoso na tradução, portanto. Entre este livro e a obra acadêmica de Le Goff há um abismo tão profundo que não parecem ter sido elaboradas pelo mesmo autor. É nisso que está seu valor, penso eu, pois ao escrever para crianças e adolescentes Le Goff transparece uma intencionalidade política que não se encontra em suas obras teóricas e medievalistas: a defesa da União Européia e a busca de bases históricas para a validação da mesma. Compreender Le Goff como historiador a partir deste livro é enganoso; mas é ótimo para fornecer um vislumbre sobre suas convicções pessoais.
ResponderExcluirOpa! Após um abismo de quase quatro anos, pude ver teu comentário. Concordo ctg, mas confesso que fiquei puto com Le Goff haha. Forte Abraço!
Excluir