Por uma descolonização do pensamento, ou o
orgulho tupiniquim
Rafael Campos
Numa obra recém-lançada de um autor de teoria da história, José Carlos
Reis, chamada “Teoria e História: Tempo Histórico, História do Pensamento
Histórico Ocidental e Pensamento Brasileiro” de 2012, no último artigo
intitulado “Comentário final: por um pensamento brasileiro”, algumas falas me
chamaram bastante atenção. Reis neste artigo articula ideias sobre uma possível
“identidade brasileira” e avança instrumentalizando o fato de que é necessário,
a partir de nossos recursos, pensar e repensar as linguagens que produzem
discursos sobre o Brasil.
Reis critica: “no Brasil, a ‘vida do espírito’ tem sido tão miserável
quanto a vida material! Os estudos filosóficos são completamente ‘aculturados’
(dominados): os europeus não precisam de nós para comentar e compreender seus
textos! […] O Brasil precisa de nossos recursos intelectuais, de nossas
energias mentais, para se pensar, se conhecer, se avaliar, se resolver” (p.
266).
No restante do texto se desenvolve a crítica de que o pensamento
brasileiro é assimilador demais das ideias, paradigmas, modelos, conceitos,
instrumentos e procedimentos europeus. Somos aculturados. Pouco usamos nossos
próprios paradigmas para elaborarmos nosso próprio pensamento. O Brasil é um
enigma a ser decifrado a partir de nossa própria produção e reflexão com nosso
próprio referencial que pode ser um Chico Buarque, um Lenine, um Arnaldo
Antunes.
E virando a mesa, poucos são os europeus que dialogam com nosso texto,
nossa própria produção. Não é usual sermos citados por lá. E diante desse
quadro desanimador, colonizado, é com alegria que trago a boa nova deste livro.
Escrito por François Hartog, um autor Francês famoso mundialmente na área de
historiografia, o livro é um clássico sobre procedimento e análise
historiográfica.
E nele encontro referências à obra “História da Consciência História
Ocidental Contemporânea: Hegel, Nietzsche e Ricoeur”, livro recém lançado do
próprio José Carlos Reis! Em minha opinião isso é animador, pois diante desse
quadro terrível, me alegra saber que a obra de um tupiniquim, made in Brazil,
está sendo lida nos altos círculos de intelectuais europeus, pois Hartog é
professor na École des Hauts Études em Sciences Sociales, na França! Ele
dialoga sobre os sentidos do conceito ricoeuriano de “representance” a partir
da articulação de Reis. Como poderia um brasileiro se dá o luxo de tomar o
espaço de um possível comentador francês? Ousadia de afro descendente!
Me alegra o espírito ver obras de autores brasileiros circulando nas mãos
dos que quiseram dominar o mundo, estuprar o planeta, impor visões de mundo (“a
verdade”) e agora se apropriam de um pensamento de gente “colonizada”, de
terceiro mundo. Isso demonstra a complexidade e competência da obra e autor
respectivamente.
Mas o leitor mais atento poderia replicar: “seu texto ainda segue a
lógica do discurso colonizado, pois você vibra ao ver um brasileiro sendo
citado lá fora!”. Seria uma crítica mordaz, se o meu propósito aqui fosse
celebrar ingenuamente este aspecto. De fato vibro, mas não pelo mero fato de um
branco europeu reconhecer a capacidade de um brasileiro, mas por isso
representar que também temos o que dizer ao mundo, também podemos ser
apropriados por eles, somos capazes. Como disse Hegel: “pensar a vida [a partir
do Brasil], eis a tarefa”.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObg pelo apoio Dayane! Somos colonizados "quase" por "natureza".
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