segunda-feira, 14 de abril de 2014

Comentário do Livro: "Evidência da História: o que os Historiadores Veem" - François Hartog



Por uma descolonização do pensamento, ou o orgulho tupiniquim

Rafael Campos

Numa obra recém-lançada de um autor de teoria da história, José Carlos Reis, chamada “Teoria e História: Tempo Histórico, História do Pensamento Histórico Ocidental e Pensamento Brasileiro” de 2012, no último artigo intitulado “Comentário final: por um pensamento brasileiro”, algumas falas me chamaram bastante atenção. Reis neste artigo articula ideias sobre uma possível “identidade brasileira” e avança instrumentalizando o fato de que é necessário, a partir de nossos recursos, pensar e repensar as linguagens que produzem discursos sobre o Brasil.
Reis critica: “no Brasil, a ‘vida do espírito’ tem sido tão miserável quanto a vida material! Os estudos filosóficos são completamente ‘aculturados’ (dominados): os europeus não precisam de nós para comentar e compreender seus textos! […] O Brasil precisa de nossos recursos intelectuais, de nossas energias mentais, para se pensar, se conhecer, se avaliar, se resolver” (p. 266).
No restante do texto se desenvolve a crítica de que o pensamento brasileiro é assimilador demais das ideias, paradigmas, modelos, conceitos, instrumentos e procedimentos europeus. Somos aculturados. Pouco usamos nossos próprios paradigmas para elaborarmos nosso próprio pensamento. O Brasil é um enigma a ser decifrado a partir de nossa própria produção e reflexão com nosso próprio referencial que pode ser um Chico Buarque, um Lenine, um Arnaldo Antunes.
E virando a mesa, poucos são os europeus que dialogam com nosso texto, nossa própria produção. Não é usual sermos citados por lá. E diante desse quadro desanimador, colonizado, é com alegria que trago a boa nova deste livro. Escrito por François Hartog, um autor Francês famoso mundialmente na área de historiografia, o livro é um clássico sobre procedimento e análise historiográfica.
E nele encontro referências à obra “História da Consciência História Ocidental Contemporânea: Hegel, Nietzsche e Ricoeur”, livro recém lançado do próprio José Carlos Reis! Em minha opinião isso é animador, pois diante desse quadro terrível, me alegra saber que a obra de um tupiniquim, made in Brazil, está sendo lida nos altos círculos de intelectuais europeus, pois Hartog é professor na École des Hauts Études em Sciences Sociales, na França! Ele dialoga sobre os sentidos do conceito ricoeuriano de “representance” a partir da articulação de Reis. Como poderia um brasileiro se dá o luxo de tomar o espaço de um possível comentador francês? Ousadia de afro descendente!
Me alegra o espírito ver obras de autores brasileiros circulando nas mãos dos que quiseram dominar o mundo, estuprar o planeta, impor visões de mundo (“a verdade”) e agora se apropriam de um pensamento de gente “colonizada”, de terceiro mundo. Isso demonstra a complexidade e competência da obra e autor respectivamente.
Mas o leitor mais atento poderia replicar: “seu texto ainda segue a lógica do discurso colonizado, pois você vibra ao ver um brasileiro sendo citado lá fora!”. Seria uma crítica mordaz, se o meu propósito aqui fosse celebrar ingenuamente este aspecto. De fato vibro, mas não pelo mero fato de um branco europeu reconhecer a capacidade de um brasileiro, mas por isso representar que também temos o que dizer ao mundo, também podemos ser apropriados por eles, somos capazes. Como disse Hegel: “pensar a vida [a partir do Brasil], eis a tarefa”.
 

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