terça-feira, 23 de junho de 2015

Resenha do livro "Introdução à Teologia" - Justo González

Rafael Campos


Para mim é primordial apresentar o autor: Justo L. González é metodista. "Nascido em Cuba e radicado nos Estados Unidos, é graduado pelo Seminário Unido de Cuba, com mestrado e doutorado pela Universidade Yale. Tem experiência de ensino de história da igreja em diversos seminários da América Central e dos Estados Unidos, destacando-se ainda por sua prolífica produção literária."[1]
Parece ser de praxe entre teólogos escrever introduções à teologia. Cada um à sua moda mas a receita é a mesma: selecionar autores que lhe interessam mais, que se aproximam mais de sua tradição doutrinária e comentar sua obra; escamotear outros (“hereges”), pois o discurso que não dá voz, tem automaticamente a função de deslegitimar; e por fim, dizer que não quer encerrar o assunto. Mas já que são tão parecidas, por que resenhar uma obra como essa então? Alguns fatos me chamaram atenção nesta em particular. É o que destaco doravante.
Um livro de pouco mais de 260 páginas que se propõe a discursar sobre Teologia, só poderia levar o nome de “Introdução” à mesma. No geral aborda as clássicas temáticas que a maioria das obras de introdução à teologia, as que já li, trata. São sete capítulos que traçam discussões a partir das respectivas perguntas: O que é a teologia?; Quem é Deus?; O que é o mundo? Quem somos?; Quem é Jesus Cristo?; O que é a Igreja?; Como vive a Igreja; Qual é a nossa Esperança?.
Sobre a linguagem. Gosto da maneira como González escreve: é lúcido, opera com conceitos difíceis com fluidez e dinâmica. Diferente de muitos conceitos teológicos, seu texto não é hermético. Com parágrafos equilibrados, o leitor não é castigado com divagações muito extensas. Para quem não desfruta de muito tempo para uma leitura rápida da obra completa, a forma do livro contribui na medida em que o leitor pode sempre encerrar a leitura no fim de um tópico, que em geral são breves, devido à ótima organização do texto. Cada tópico encerra um assunto o que facilita a memorização.
Teólogos desconhecidos. Atraiu-me a facilidade com a qual González traz ao diálogo vários pensadores e consegue elucidar bem suas ideias. Cada concepção teológica discutida ou posta em debate é analisada sob a luz de uma perspectiva dialeticamente histórica e processual. Faz questão de destacar que houve períodos históricos em que outras comunidades de cristãos pensaram acerca de coisas como ortodoxas que não pensaríamos hoje em dia. Cada época elegeu o pensamento de alguém enquanto base para categorizar a ortodoxia. O debate de ideias promove uma repaginação na história da teologia que González faz com maestria chamando alguns nomes ao debate que não são tão comuns, ou talvez, sejam caros demais à “ortodoxia”.
Sobre o princípio da autoridade. Incomoda-me muito o fato de que muitas das obras de González (que possuo), assim como esta, não possuem referências bibliográficas ou notas de rodapé. É claro que ao longo da obra a bagagem e domínio de conteúdo se fazem muito presentes e são inegáveis, mas no mundo moderno é bastante desconfortável ler livros que não trazem notas ou bibliografia utilizada. Ao que qualquer um pode retrucar afirmando que ele é pesquisador, professor doutor com vasta experiência, autor de vários livros, etc. Porém penso que uma coisa não pode encobrir a outra. E o exemplo abaixo elucida o motivo.
O autor tem uma capacidade belíssima de sintetizar o pensamento de vários pensadores, o que demonstra seu domínio sobre o conteúdo e muita habilidade teórica e conceitual. No entanto González esbarrou em alguns erros que acredito, não poderiam ter sido cometidos por ele. No capítulo Quem é Deus? que vai tratar sobre vários aspectos da discussão sobre a pessoa divina, e nele, alguns os argumentos sobre como é possível o conhecimento de Deus são postos a prova, o que é bastante admirável, ou seja, o autor não tem medo de expor cada fraqueza dos argumentos apologéticos, e os põe à prova mostrando todos os seus aspectos negativos, o que é louvável.
Porém ao abordar um tópico intitulado “As provas da existência de Deus”, no item “a” e “c”, González analisa as famosas “cinco vias” de Tomás de Aquino e comete um erro intolerável. Ele resumo o famoso “argumento kalam” (sem usa esse nome) na página 71: tudo quando existe há de ter uma causa e triunfante pergunta se mesmo Deus sendo a primeira causa, Ele mesmo não haveria de ter uma. Atualmente ninguém sustenta a premissa de que tudo que existe tem de ter uma causa, mas sim tudo o que COMEÇA A EXISTIR possui uma causa. Há uma diferença catastrófica entre ambas as premissas. Em seu livro “36 argumentos para a existência de Deus” Rebecca Goldstein foi duramente criticada porque usou este mesmo espantalho para criticar o argumento kalam. Mas um teólogo profissional não deveria cair neste amadorismo.
Outro apontamento não muito acurado foi posto no fim da mesma página. Dentro do tópico “Os limites de tais provas” o autor afirma sem discutir muito a questão que “tais argumentos […] não provam necessariamente que esse algo seja o Deus da fé cristã” (p. 71). A declaração quis demonstrar os limites dos argumentos apologéticos para que o leitor não caia no otimismo tolo acerca deles. Estou de pleno acordo com a declaração, mas não no contexto em que ela se apresenta, pois González não leva em conta que atualmente os assim chamados “apologistas” cristãos não usam esse ou aquele argumento isoladamente para demonstrar a racionalidade da fé cristã, ou seja, para demonstrar que a fé cristão não é fideísmo, mas os utilizam em conjunto, como força coletiva que dão suporte para uma conclusão maior: que é mais racional crer na existência do Deus Cristão. Esta observação é importantíssima neste caso.
Estes dois problemas que identifiquei na obra, em uma leitura bastante apressada, confesso, me fizeram vez por outra duvidar se outras leituras realizadas pelo autor também estão corretas, principalmente quando me deparei com sua interpretação do argumento seguido de réplica do “argumento ontológico” de Anselmo, o qual não estudei com mais acuidade e portanto não tenho domínio.
Mas de forma geral considero o livro uma boa obra. Prosseguindo a leitura gostei do movimento dialético feito durante todo o livro: sobre cada posição teológica o autor demonstra vários pontos de vista sem necessariamente demonizar um ou outro ou tomar partido. Mas como todo humano, não é impassível e vez por outra declara sua simpatia por este ou aquele sistema, como neste belíssimo trecho no qual discorre sobre um modelo de um teólogo calvinista, Jerônimo Zanchi, acerca da soberania divina e liberdade humana:
Segundo Zanchi, visto que Deus é onipotente e onisciente – quer dizer, pode tudo e sabe tudo – Deus sabe e determina tudo o que há de acontecer, e não existe tal coisa como liberdade humana. O que Zanchi fez com tal argumento é pretender que Deus tem que se ajustar a nossa compreensão da onisciência e da onipotência. Mas o certo é que, se Deus é de verdade onipotente, Ele não tem o porquê de se ajustar aos argumentos de Zanchi nem de qualquer outro teólogos. Se Deus é verdadeiramente onisciente, saberá como permitir que exista a liberdade humana, ainda quando o “sistema” de Zanchi não dê lugar a ela (p. 19). 
Por ter sido agraciado pelo conhecimento de sistemas e pontos de vista em teologia que ainda não havia tido acesso e que essa obra, de maneira muito clara e didática, trouxe-me o conhecimento, recomendo-a. Enfim, comprem-na. 

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[1] Trecho retirado do site da editora Vida Nova.